Tudo fica tão estranho quando se trata de sentimentos. É tudo tão vago. É difícil demonstrar, é difícil querer mostrar, e, ainda mais, é difícil não querer mostrar.
É igualmente difícil, por exemplo, tentar ser objetivo em todas as questões, em tudo na sua vida. Acredito que eu siga, na maioria das vezes, o meu coração, pois eu não lido bem com emoções. É fácil me tirar do sério, e ainda mais, me deixar feliz.
Os sentimentos têm essa força sobre mim que eu não sei explicar. Acho que isso irrita as pessoas. Não queria ser assim...
Ao mesmo tempo, eu sou muito realista, ou, digamos, pessimista mesmo: considero o lado ruim antes de fantasiar qualquer coisa.
Ultimamente eu tenho deixado meu coração mandar demais... Seria isso uma afronta à razão? Eu deveria deixar de dar corda aos meus sentimentos e me tornar alguém um algo que... frio?
Aí vai um texto que muito gostei sobre esse assunto. Espero que gostem:
Quem disse que o sentimento é kitsch?
Todas as cartas de amor são ridículas, já advertiu poeticamente Fernando Pessoa na voz do seu heterônimo Álvaro de Campos. Não só as cartas de amor, ele acrescentou, mas também "os sentimentos esdrúxulos".
Na verdade, por pudor crítico, a gente tende a achar ridículos todos os sentimentos, ou todas as cartas e confissões sentimentais, esquecendo-se de que, como disse Pessoa no mesmo poema, "só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas".
Em matéria de emoções, o medo de ser ridículo nos faz mais ridículos. Impomos tantas restrições ao que vem do coração que somos capazes de exibir idéias pobres com o maior desplante, mas temos vergonha de demonstrar até os melhores sentimentos, ainda mais agora que os ventos pós-modernos propõem a razão cética e a lógica cínica como visão de mundo, confundindo tudo com pieguice, fraqueza ou capitulação sentimental.
Isso fica claro em certas situações críticas, na solidão noturna de um corredor de hospital, diante de riscos impensáveis, em face da doença de um filho. Nesses momentos, a alma cheia de cuidados e desassossegos se abre para o despudor sentimental, para a onda de solidariedade com a qual amigos, ah, os amigos, banham a nossa angústia.
Aí o que vale não é a linguagem convencional, incapaz de descrever a experiência, mas as formas emocionais de comunicação. Não importam os significantes mas os significados, os gestos gratuitos, aparentemente sem utilidade, uma palavra apenas, às vezes nem isso, um toque, um bilhete, um aperto de mão, um abraço mudo, um olhar úmido, um símbolo - nada de novo, de original, mas quanto conforto!
Costuma-se exaltar a cabeça como fonte da razão e denunciar o coração como sede da insensatez, como músculo incapaz de ter autocrítica e de ser original. Que seja assim. E daí? Nada pior do que uma idéia feita, mas nada melhor do que um sentimento usado. A cabeça pode gostar de novidade, mas o coração adora repetir o já provado. Se as idéias vivem da originalidade, os sentimentos gostam da redundância. Não é por acaso que o prazer procura a repetição.
As teorias da comunicação ensinam que só há informação quando há originalidade, ou seja, quanto menor for a redundância de uma mensagem, maior será a sua taxa de informação. Se você comunica a uma pessoa o que ela já sabe, a quantidade de informação é zero.
Não há dúvida de que isso funciona para a informação semântica. Ninguém lê jornal de ontem, nem vai atrás do já visto. Quando se muda de campo, porém, e se entra no terreno da mensagem sentimental, lírica ou emocional, parece ocorrer o contrário: o amor, a amizade e o afeto são recorrentes, insistentes, precisam, pedem confirmação.
Talvez por isso a gente não se canse de revisitar a poesia, a mais lírica das expressões. A redundância não diminui a beleza nem o teor poético de um poema. Nada mais prazeroso do que repetir versos de cor. Houve uma época em que nós, adolescentes, declamávamos poemas como hoje se recitam letras de rap. Revidava-se Drummond com Bandeira; a um Lorca se respondia com um Pessoa; cultivava-se João Cabral de Melo Neto e havia sempre um Vinicius para acalentar uma cantada.
A poesia serve para disfarçar o pudor e serve também para exprirmir o indizível - aqueles estados de intensidade emocional que exigem formas requintadas e duradouras de expressão. Em certas horas, o melhor remédio são versos esparsos de esquecidos poemas. Eles vêm ao acaso, trazidos pela memória involuntária. "O sol tão claro lá fora e em minhalma anoitecendo'', de Bandeira, ou "Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo", também dele. "Há um amargo de boca na minha alma", de Pessoa. "Apagada e vil tristeza", de Camões, e assim por diante, como se fosse uma antologia do coração.
Em A insustentável leveza do ser, o best-seller que todo mundo leu nos anos 80, Kundera escreveu várias páginas sobre o perigo da manipulação de sentimentos pelo poder que em geral leva ao kitsch político, ou seja, à contravenção, ao engodo na política. É preciso cuidado porque o fenômeno ronda todas as formas de expressão do homem e está sempre à espreita das realizações artísticas.
Tudo bem, todo cuidado é pouco, não se faz arte com bons sentimentos - o kitsch é o mau gosto estético. Mas quem disse que a vida é uma obra de arte? Quem disse que o sentimento é kitsch?
(crônica publicada no Jornal do Brasil, em 12/8/95. Zuenir Ventura. "Crônicas de fim de século".)
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Música:
"Samba para Dom Casmurro" - Manacá & Michel Melamed
1 comentários:
MAH...
ADOREI SEU BLOG!!
GOSTO MUITO DAS COISAS QUE VC ESCREVE.
É LEGAL VC SE EXPRESSAR ,AJUDANDO A SI MESMA E MUTUAMENTE A SEUS PARES.
MUITO DIFICIL ENCONTRAR ALGUÉM COM TANTA ATITUDE E MATURIDADE PARA ESCREVER.
PARABÉNS!!!
CONTINUE ASSIM
TE ADORO - xD
MAH
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