"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

"Answer my call and I'll set you free..."


- Não é preciso que você seja constante, mas é preciso que você viva intensamente cada instante. Fazer vibrar as fibras de cada músculo a cada contração. Entender que tudo - tudo - é intenso e único, porque cada segundo passado não é revivido, mas relembrado.
- É preciso que eu seja constante, sim! Ninguém gosta de quem vive dessa forma, nesse ritmo, nessa desgovernança de sentimentos e ações! Quem gosta de alguém que agora ri e daqui a pouco chora? Quem entende alguém que ama e logo após já não dá a mínima - mas logo em seguida volta a amar numa ânsia imensa de vida, de toque, de carinho? Uma ânsia de sentir os corações batendo rápidos e juntíssimos um ao outro, como se fossem um só? Quem quer essa inconstância para sua vida?
Ela estava mais realista, apesar desse comentário parecer contraditório. E ele percebeu isso. Essa última fala dela demonstrou a ele que ela tinha conhecimento da sua natureza sentimental e desequilibrada. Apesar de não parecer, ela procurava o equilíbrio. E constante e incansavelmente. Mas sem o conhecimento do método que deveria aplicar para alcançar tal equilíbrio. Por isso andava às cegas. Por isso era inconstante. Por isso sofria.
- Sophrosine...
- O quê? - ela, confusa.
- Você busca o "equilíbrio" de que os gregos falavam...
- Isso é uma comparação totalmente anacrônica, e você sabe disso! - Ela estava muito nervosa com o comentário.
- E você também sabe o que busca! Nos últimos anos, o que você fez além de se trancar em si mesma, mas ansiar alguém que pudesse te destrancar de lá? O que você fez além de suprir suas necessidades de apertar um rosto contra o seu com livros e mais livros? Isso não é hybris, o desequilíbrio? - ele disse, indignado.
- Mas isso é anacrônico!
- Também é a sua mentalidade de treze anos!
Dizendo isso, ele levantou-se da cadeira em que estava e foi andar pelo bosque em que se encontravam. O sol já nascia. Conversaram pela noite a fio.
Era certo que ele gostava e muito dela, mas sua falta de confiança e crença em si mesma já o estavam irritando.
Ela conseguiu alcançá-lo a tempo dele quase desaparecer, como sempre fazia. Puxou-o pelo braço e disse:
- Você tem toda razão, meu amado. Eu procuro o equilíbrio, mas sem saber o caminho. É como entrar num lindo bosque sem conhecê-lo. Podemos até nos encontrar com as vistas que temos ao desbravá-lo, mas nunca encontraremos o caminho que leva à saída. Quando não, esta leva tempo a ser encontrada. Desculpe-me. Eu sou realmente uma criança inconstante...
Dizendo isso, fez o caminho de volta aonde estavam. Ela não queria ouvir mais nada. Não o que ele tinha a dizer - seria o óbvio.
Somente se achegou à árvore de raízes enormes e a mostra em que estavam sentados, recostou-se e dormiu vendo o sol nascer.
"Acalma-te, meu coração.
Busca a paz da brisa,

A constância e vida da terra,
A profundeza do oceano
E a destreza do fogo.

Aproveita que a natureza

Corre em teu socorro

E calmo e sereno

Contempla o sol

Que nasce sempre jovial,

Apesar de tudo."
~*~
Música:
"The voice" - Celtic Woman.

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