"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O bichinho do teatro

"Fique perto de qualquer coisa que faça você feliz por estar vivo"

Estou aqui para falar hoje sobre o bichinho do teatro. Eita bichinho porreta! Chega do nada, por vezes, e te aferroa de uma forma que você simplesmente se vicia... E não consegue mais viver sem o mínimo que seja de teatro na vida!
Comigo foi assim. Foi lá por 2007, quando um amigo muito querido sugeriu que nós fizéssemos "O Fantasma da Ópera" na escola. Não lembro bem se foi realmente com isso, mas me lembro que foi com o livro d'"O Fantasma da Ópera" que pensamos em fazer cenas de "Macbeth" para o projeto do final de curso de inglês... Ah, ele com certeza era muito mais viciado no bicho do teatro do que eu na época... Tanto é que depois ele se dedicava muito mais às coisas relacionadas ao mesmo do que eu... Mas sei que eu não prestava muita atenção, e passei a prestar. Passei a querer entender e me questionar:
- Como é que aquele povo lá em cima pode ser mais de uma pessoa ao mesmo tempo?
- Como é que funciona esse fazer-se e desfazer-se do ator?
- Como isso tudo pode ser tão mágico e pleno?
E os questionamentos só foram aumentando com o tempo... Acredito que tenha sido em 2008 mesmo que entrei no Ponta de Linha, juntamente com o Paulo Victor, esse meu amigo que citei antes... Entramos por conta da apresentação do ano anterior e por conta da nossa então professora de canto, Etienne, que nos disse que havia um grupo na cidade, com o qual ela trabalhava, com vagas para as pessoas. Lá, conheci pessoas importantíssimas pra minha vida (não só teatral). Tive a oportunidade de conviver mais com minha tia, que fazia parte do grupo. Sei que eu e Paulo vimos como funcionava a produção de "Morte e vida severina", que minha tia a outros membros fizeram parte... E achei tudo aquilo muito mágico! Porque só tinha visto como espectadora, não como membro daquilo... E nossa, hoje em dia sei o quanto o espectador perde por não ver tudo o que há por trás e ao mesmo tempo sei como é mágico para o público não saber de tudo aquilo que há por trás.
Muitas coisas aprendi com o Ponta de Linha. Como se portar num grupo de teatro ou não. Como lidar com as pessoas num grupo ou não, o que fazer ou não... Foi tudo muito valioso. Naquela época, li um livro e meio do Stanislavski, que me foram muuuuitíssimo valiosos, e são até hoje! Queria ter lido mais livros que haviam disponíveis na nossa biblioteca do grupo, dentro da biblioteca municipal!
Bem, em 2010 eu saí, o grupo mesmo se desfez. Aprendi que é com sinceridade e dedicação que um grupo de teatro se mantém ou não.
No mesmo ano, na escola, eu e mais alguns alunos, pedimos ao diretor que trouxesse alguma professora de teatro. Ele trouxe. Não durou muito, mas apresentei o poema mais famoso de Carlos Drummond de Andrade - "No meio do caminho". Queria mesmo era ter interpretado "Na batucada da vida", música cantada por Elis Regina, mas vá lá. Tive meu gosto em interpretar um poema. Gostei muito, mas como eu disse, não durou muito.
Vim para Assis em 2011 e logo que entrei, o bichinho do teatro me picou novamente, sabendo que havia oficina de teatro na faculdade, fui logo atrás e arrastei algumas pessoas comigo. Entrei, então, para o Gru.t.a. Marginal, grupo com o qual eu tive o gosto do palco finalmente. Aprensentamos 5 vezes "Orion", tanto em Assis, quanto em outras cidades. E a sensação da produção e atuação nesta peça me vem até hoje como um sentimento muito bom de conquista, de saber que eu sou boa em alguma coisa - e também que eu poderia fazer maior, fazer melhor alguma coisa mais de uma vez. Sinto saudades da Quimera até hoje... Sou muito grata a todos que participaram do Gru.t.a. comigo e que participaram dele antes de mim e depois de mim... Creio que ele existiu até 2012 ou 2013. Tem uma história muito bonita e digna de memória. Mas durou o quanto tinha que durar, como o Ponta de Linha também.
Foi muito triste pra mim viver longe do teatro de 2012 a 2014, se bem que em 2012 eu, um antigo amigo e Luiz Bosco iniciamos um projeto com o finado e de curtíssimo período Grupo Ode. Foi uma pena, "Válvulas" seria incrível, mas infelizmente não deu pé. Coisas assim me fazem crer que cada coisa acontece no momento certo.
Bom, fiquei longe do bicho do teatro, então, mais ou menos de meados de 2012 até o fim do ano passado. E nossa, como isso me doeu. Vejo hoje que o teatro me fazia viva, me fazia feliz. E por isso voltei a fazer teatro, com o Cena Voraz, grupo daqui da cidade. Bendita a hora em que vi a postagem no grupo da UNESP que o Hedpo tinha postado. Bendita a hora! Foi como uma salvação pra minha alma voltar a fazer oficinas e agora essa semana... apresentar de novo! Apresentamos para o Mapa Cultural Paulista, o que nos classificou para as regionais, mas a estreia foi a estreia... Não existem palavras pra descrever o que é viver tudo isso... É algo de outro mundo!
"Nossa, mas você está exagerando, não é tudo isso". É tudo isso sim, e mais um pouco. É incrível ver a si mesmo em outra pele, ver a si mesmo não como você mesmo, mas como o personagem que você está fazendo. É indescritível encontrar partes de si mesmo em cada papel, e ainda assim, saber que não é você. A energia que flui entre as pessoas, quando estão em cena, é de outro mundo. É como se Dionísio realmente visitasse o corpo de cada um e trouxesse consigo a força de seu teatro e sua loucura!
Estou escrevendo esse texto para mostrar como o bichinho do teatro funciona em quem realmente dá a alma pro palco: é algo intensamente lindo. Capaz de infectar a plateia, com essa doença tal que não se assemelha com nenhuma outra, porque quanto mais você tem, mais você vive!
Sou muito grata a todos os grupos dos quais já fiz parte. Não foram muitos, é verdade. Mas em todos me senti plena. Me senti completamente eu mesma. Sinto pena pelos espetáculos que não ocorreram e sinto orgulho daqueles que participei, e sei que dei meu melhor. Espero dar o melhor de mim sempre, e novamente, e novamente de novo!
Vou terminar este texto com o trecho do filme "O Libertino", que traduz, sempre traduziu, o que sinto pelo teatro:

"- Pergunte a si mesma o que você quer do teatro.
- Eu quero o amor apaixonado da minha platéia, eu quero movimentar o meu braço e levar seus corações para longe. E quando eu morrer, que eles suspirem por nunca me verem novamente... até a próxima apresentação.
- Aí está sua resposta. Eu quero ser um dessa multidão. Desejo ser emocionado. Eu não consigo sentir na vida. Eu preciso ter outros para fazer isso por mim no teatro.
- Você é conhecido como um homem que anseia pela vida...
- Eu sou o cínico da nossa idade de ouro. Este prato abundante, que nosso grande Charles e nosso grande Deus têm, mais ou menos em mesma medida diante de nós, me irrita. A vida não tem propósito, está em toda parte desfeita por arbitrariedades. Eu faço isso, e não importa nenhum pouco se eu fizer o contrário. Mas no teatro, cada ação, boa ou má, tem suas consequências. Derrube um lenço e ele voltará para te sufocar. O teatro é minha droga, e minha doença está de tal forma avançada que o meu tratamento tem que ser da melhor qualidade."

E postei essa música d'O Teatro Mágico porque a letra dela é linda, acho muito profunda, e também por causa deste trecho:

"Quando há ferrugem no meu coração de lata
É quando a fé ruge, e o meu coração dilata"

É exatamente isso. Quando sinto que meu coração está longe daquilo que amo, quando sinto que estou me tornando mecânica, quando sinto que o teatro está longe de mim demais pra que eu aguente viver, eu procuro o que me faça viva. E, no meu caso, o teatro foi, é e sempre será meu maior e melhor tratamento psicológico. As pessoas envolvidas... Principalmente as pessoas envolvidas, graças aos deuses, sempre foram seres humanos incríveis, e de corações enormes. E sempre me fizeram querer viver cada vez mais. Por isso eu digo que tenho orgulho de fazer parte do Cena Voraz, assim como tive orgulho de trabalhar com o Paulo, orgulho de participar do Ponta de Linha e também do Gru.t.a.... E sinto muitas saudades desses que não existem mais.
Às vezes fazemos algumas coisas por fazer e acabamos descobrindo que nos sentimos melhores e maiores com elas. Essas são as melhores descobertas!

Evoé, Dionísio!
Que teu teatro seja sempre assim:
Capaz da Locura e do Amor
Capaz da Sabedoria e da Insensatez!
Evoé!
Abençoado seja teu teatro!

~*~
Música:
"Quando a fé ruge", O Teatro Mágico.
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terça-feira, 21 de julho de 2015

(Des)gastando amor, rolando nas sombras da noite

Madrugada alta já. Ela senta-se em frente à janela de sua casa, debruçada em mais um de seus textos longos e com um quê de incompreensíveis de sempre. 
Buscando inspiração para escrever sobre coisas que ela desde sempre sentira, e que estava disposta realmente a esquecer. Afinal de contas, as noites sem sono por conta de tudo aquilo resultaram inúteis - e que ela não se engane, nunca mudariam, sempre resultariam inúteis.
Ela coloca uma música para ouvir. Aquela que havia chamado sua atenção meses anteriormente. Sinal talvez? Bem, quem sabe. Talvez fosse. Hoje ela pensa que sim. Nesta madrugada fria de julho, ela pensa que sim.
Ela olha através de sua janela. Calmaria em sua rua. Nenhuma viv'alma para contar nenhum conto de terror que a inspire. Ninguém brigando para que a inspirasse a escrever um conto de violência e morte, regado a sangue. Nada, tudo muito calmo.
- Resultou inútil, novamente. Deveria parar de tentar escrever sobre ele. Sobre mim, sobre o que ele me causa... Tudo resulta inútil. - Ela pensava enquanto tomava mais um gole daquela bebida quase intragável de sempre.
Ela resolve, então, andar pela casa. Tudo soturnamente silencioso. Nenhum som. Ela sai. Caminha para o local onde sempre encontra seu refúgio: aquela árvore costumeira. Porém, desta vez, não há pôr-do-sol para iluminar nada. 
Ela roga aos céus para que uma luz seja dada em sua vida. Para que ela possa viver bem novamente, sem o medo incomensurável de mostrar o que tem dentro de si e afastar todos que estão em sua volta.
- É certo que assustaria muitos. O que tens de belo, minha amada, tens de amedrontador. É ao mesmo tempo intenso, belo, assustador e sufocante. Quem aguentaria? - Disse ele, chegando-se perto e a abraçando pela cintura, meio de lado, desajeitadamente.
"Modos novos", ela pensou, "talvez ele tenha conselhos novos para mim, talvez ele consiga me ajudar como sempre conseguiu".
- Mas, meu amado... O que eu faria se não fosse assim? Não conheço outro ser de mim mesma que não fosse assim! Tudo tão intenso, tão... sintomático! Não há agonia que não transparecesse em minha pele, você sabe bem disso...
Ele sabia, sempre soube, da natureza sentimental dela. É certo de que vez em quando as suas "avalanches tempestuosas" eram mais dolorosas do que o comum, mas ele sabia que naquele momento ela queria ser perene como um riacho, não imponente como uma cachoeira. Bem, pelo menos não nos sentimentos. Ela quer ser perene. Calma. Sutil.
- Meu amor... Não tenho o que te dizer. Sabes bem o que fazer. Não tens a onde fugir, então escolha aquilo que teu coração quiser fazer. Só peço-te uma coisa: não gastes amor com quem não o quer receber. Além de perda de tempo, é perda de vida... E perda de amor. 
Ela sabia que o amor que ela tinha em si era como um titã, um gigante infindo. Algo que consumia a si mesmo, de modo que fosse imortal por todo o sempre, e ao mesmo tempo, não dependia de ninguém. Ela sabe disso. Sabe que seu amor não necessita de reciprocidade para amar, porque simplesmente ela era feita da mesma essência que o amor, e este, como ela sabe bem, é viciante. E são necessárias doses cavalares diárias para que o vício seja mantido. Daí as "avalanches tempestuosas" que ela sofria. Hoje ela percebe isso.
Ela olha bem nos olhos dele. Olhos que a miram com admiração, cansaço, sofrimento, mas muito carinho também. Diz a si mesma que é hora de partir e não gastar mais seu amor com quem não tem estrutura para acolher um gigante deste porte e diz a ele:
- Meu amado, d'agora em diante, nada mais de aquários. Eu sou mar. Aquários não me comportam, eu quero nadar fundo. Chega de gastar meus dias com o vazio desses aquários rasos. Eu quero mergulhar até me afundar em amor. Nem que seja em amor por mim mesma. Nem que seja amor pelo amor. Porque disto eu tenho certeza: eu amo o amor. E isso me basta.
Ele olha profundamente nos olhos dela, então cheios de verdade, lágrimas e alegria, e a abraça, indo embora assim como chegou.
Ela volta à sua casa, ao seu quarto, senta-se em frente a seu computador e escreve o texto ao qual foi inspirada a escrever:

"Escrevo para mim e para ninguém
Amo para mim e ninguém
Amo porque para mim é preciso amar
Amo como ama o amor
Chega de voltar este sentimento a quem não o quer
Eu quero senti-lo
Quero vivê-lo
Quero, acima de tudo, sê-lo.

Que passem-se noites, madrugadas, tardes, dias...
Não haverá um dia em que não serei amor de alguma forma
A quem quer que seja
A quem quer que queira
Em todas as direções
Por todos os cantos
E serei a quem tiver a sensibilidade de ver
E sentir

Nos momentos em que me esquecer que sou amor
Haverá quem me rodeie de ódio
Para que me lembre o quanto devo ser amor
Para que ninguém mais seja ódio
Que nas garras dos falsos amores eu, que amor sou, não caia
E que eu perceba quando só quiserem se aproveitar de minha luz

Explodirei em cor, som, cheiro, toque...
A quem quer que sinta a necessidade
A quem quer que queira ver
Senão explodirei por amor contido!

Amo como ama o amor:
Despretensiosamente
Sem querer nada de volta
Pois o amor não exige nada:
O amor ama."

O galo canta. O sol nasce novamente. Sente-se cansada como nunca antes, pois encontrara seu objetivo na vida... Ser aquela que não tem medo de amar, não tem medo de se jogar, não tem medo de errar, sofrer, aprender e amar novamente. Ela deita-se com coração muito mais leve, e contente, que anteriormente.

~*~
Música:
"Wasting love" - Iron Maiden.

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