"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

sábado, 3 de dezembro de 2016

"Estou atento ao farol, contra o tempo e a multidão"

- Mas o que você faz aqui, sentada, toda silenciosa? 
Ele a encontrara num momento não muito bom de sua vida, mas isso ele já sabia. Ela estava querendo se encontrar, entender-se para então poder entender alguém verdadeiramente. Mas o que importava no momento é que o sol estava nascendo, e, juntamente a ele, vários pensamentos acometiam a menina do olhar infinito...
- Eu não sei o que acontece comigo, meu Amado... Por que demorei tanto a entender que o amor tem de ser natural pra acontecer? É como um sopro de vida, de fato... Quando se percebe, já está amando. E não é algo que de repente acontece, como pensamos... Na verdade, tem coisas muito mais profundas envolvidas... Vem de dentro, sempre vem de dentro...
Ela refletia de forma tresloucada: os pensamentos vinham e ela dizia aquilo que lhe ocorria. Havia pouco tempo para pensar e muito mais para sentir. Assim que os sentimentos do mais profundo instinto vêm.
- Ora, meu amor... Como assim, você nunca percebera isso antes? Que lhe aconteceu que percebeu somente agora? Diga-me, há muito não conversamos longamente das matérias de seu coração e de seu ser, e isso muito me instiga! 
Ele se sentou ao lado dela, profundamente alegre por conta do brilho que viu em seus olhos. Parecia que agora ela havia começado a entender o que realmente deveria acontecer...
Ela disse a ele que, após tantos revezes e a decisão de que estar sozinha era o melhor para si, depois disso tudo, começou a perceber melhor algumas pessoas ao seu redor e, como num sopro, um sentimento acendeu-se. A chama primordial recebeu o sopro que precisava para queimar intensamente, e agora existia nela uma chama que ardia constante... Não extremamente forte, posto que chamas assim apagam-se facilmente - o tal fogo de palha - e ela já havia visto que aquilo que ela agora sentia era forte, porém brando... Não era algo que cessaria tão facilmente...
- Tudo isso muito me encanta, meu amor... Mas o que te faz pensar que este não é tal qual fogo-fátuo que lhe acometeu tempos atrás? Penso que você precisaria refletir bastante para que não seja o mesmo...
- Eu acabei de lhe dizer o porquê de não o ser... Mas posso ser mais clara. Este fogo queima internamente, vem de dentro, de mim e dele. Queima a ambos, muitas vezes ao mesmo tempo. Tal conexão sincera eu não tive antes. Pensei ter tido, porém, era o famigerado fogo-fátuo... No fundo, sempre soube que o era, mas não dei ouvidos porque estava preocupada demais com vaidades... Agora eu entendo, agora eu vejo... Agora eu o vejo. Antes eu o enxergava, mas não via... Demorei a entender que este fogo interior, este ser de pura nobreza que preenche meu coração e meus dias de alegria, tinha o encanto que eu precisava... Tinha o amor que eu tanto buscava fora... Que tola! Era somente olhar pra dentro pra ver exatamente aquilo que tanto buscava: e isso no sentido de mim mesma e dele...! Vê? Agora eu entendo!
Ele parou para pensar. Ela realmente via, ou começava a ver, aquilo que realmente importava para que ela melhorasse como ser humano. O sol já mostrava mais os seus raios e, nessa manhã de verão brando e suave, a brisa tocava os cabelos dela, fazendo os redemoinhos já conhecidos por ele. Ela estava linda, como nunca estivera antes. A beleza de dentro vindo à tona na pele. E, de seus olhos, faíscas de luz que refletiam o fogo interior... E lá... lá dentro... ele pode ver o rapaz de que ela tanto falava. Ele pôde ver, de dentro do coração dela, o sentimento oceano-universal que inundava a ambos por muitas vezes... E ele então entendeu, deveras, que ambos eram um do outro, em liberdade e amor.
- Meu amor... Você está radiante como nunca... Tenho muito orgulho de você, realmente olhando para si e para o outro, sem se negar! Que felicidade... - ele a abraçou longamente e, daqueles olhos tão brilhantes, algumas lágrimas rolaram.
Fazia sentido. Ambos sabiam o quanto esse encontro de almas era profundamente sincero. Antes mesmo de ser amor nesse sentido, já era amor em outros níveis da existência. Ela precisava se equilibrar um pouco antes... Ainda precisava muito, mas algumas percepções a fizeram ver, de fato, o que interessava. E era somente isso que ela queria por perto dela. Quem e o que a interessasse. E ele a interessava muito... Um interesse sempre novo e, ao mesmo tempo, tão familiar, tão "de casa"...
Casa no braços daquele que ela ainda não vira. Aconchego em um coração oceânico e abundante. Era isso que ela tinha com ele.
O sol ainda nascia quando eles deixaram de se abraçar. Ela foi embora, foi até ele. E, no nascer do sol, eles se viram... Reviram. E inundaram juntos.

~*~
"A Prosa", Terno Rei:

"Estou atento ao farol
Contra o tempo e a multidão
A moça tem um jeito bom

Ela faz tudo como eu gosto
Me leva pros sonhos mais estranhos
Ela canta tudo que eu faço
Eu não tenho nada pra dizer
Ela dá risada e eu gostei
Me olha de lado, me desmancha"
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