"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

terça-feira, 8 de março de 2011

O Campo


Deitada sobre a grama úmida de sereno de um imenso campo estava ela. E apreciava o amanhecer como uma criança o faria. Os raios de sol, quentes, tocavam-na pouco a pouco. Eram suaves, intensos, amigáveis, encantadores.
Ela olhava as nuvens, que passavam lentamente no céu. Pareciam flocos de algodão doce. Algumas formas podiam ser distinguidas, como um botão de rosa, uma bola, um cachorro poodle deformado, uma forma humana deitada, assim como estava ela... Essas formas a faziam pensar, e por fim, rir.
Estava perto de uma árvore. Uma enorme mangueira, onde antes ela havia feito sua barraca de acampamento na noite anterior. Planejara tudo havia três semanas. Esta árvore fora escolhida a dedo dentre as tantas outras que existiam neste campo.
Ela ouvia um canto de um pássaro. Um canto diferente, mas bonito, suave, calmo, inocente. Não conhecia aquele pássaro, mas deveria ser belo. Pássaros com cantos como o que ouvia não poderiam ser feios.
Uma brisa suave passava por ela. Cada pêlo de seu corpo se arrepiava ao toque dessa brisa, que era doce e levemente fria.
O sol já nascia por completo. Outros sons começavam a acordar junto com o sol. Sons dos pássaros que passavam voando, sons da fazenda que havia ali por perto. Os sons que seu coração tanto pedira durante muito tempo.
Resolveu levantar-se e caminhar um pouco pela paisagem que escolhera. Sentia seus pés úmidos e frios por causa do contato com a grama. Sentia também a brisa, agora mais forte por causa de seu caminhar, balançar-lhe os cabelos. Via cada árvore e observava cada particularidade como uma criança que está vendo o mundo pela primeira vez. E seus olhos transpareciam esse sentimento, essa alegria que ela tinha por estar naquele campo e naquele lindo dia.
Não seria ótimo que aquele dia nunca acabasse? Seu coração pedia, desejava isso.
Ela parou embaixo de uma laranjeira e sentou-se no chão. Fechou seus olhos e começou a pensar em tudo o que ela deixara para trás, tudo o que ela queria tentar esquecer indo a este local: família, não por ser casada, mas os parentes mais próximos. Ela há muito não os via porque certo dia haviam brigado, e desde então não mais se falaram. E também os amigos, os quais ela amava, mas não sabia se eram realmente seus amigos, se a amavam tanto quanto ela os amava; enfim, se eles eram tão verdadeiros, tão transparentes quanto ela. Sentiu que já não era tão inocente quanto antes, não confiava tanto nas pessoas quanto antes... E isso ela considerava ruim.
Ela abriu os olhos, e com este movimento uma lágrima farta e sincera rolou deles. Não queria ter esses pensamentos. A família deveria ser a chave de sua paz, e seus amigos, alicerces de sua alegria. Mas... Talvez ela estivesse ali justamente para achar de novo a chave de seu coração e o alicerce de suas pernas.
Limpou seus olhos, antes embebidos em lágrimas, e levantou-se. Voltou a caminhar. Agora um caminhar mais preocupado e pesado do que antes. Foi até a casa da fazenda que ali estava. A fazenda era dela; com uma carreira profissional como a que tinha, era possível que ela se desse o luxo de algumas regalias. Era tão enorme quanto vazia, preenchida de espaços vazios nos sofás, nos quartos... O preço do "sucesso" é a solidão, dizia para si.
Entrou e sentou-se à mesa da cozinha. Viu que havia uma folha de papel lá e apoderou-se de uma caneta.
Escreveu o quão era inútil sua existência. Um viver em prol do sucesso profissional e pessoal, os quais nunca encontrou. Disse que era uma pessoa infeliz, pois perdera toda sua inocência para com as pessoas, e isso era ruim, porque todos merecem votos de confiança. Escreveu também que fora para lá a fim de entender o porquê dela estar vivendo daquele jeito louco, em função do dinheiro e, infelizmente, não achara uma razão nobre para isso; que fora também para entender porque não se dera bem com seus familiares por toda sua vida, e porque não confiava mais cegamente em seus amigos como antes. E percebeu que fora adulterada pelas pessoas ao seu redor, pela sua vida louca, influenciada por fatores externos. Não via mais saída a não ser...
Parou de escrever neste ponto. Fez um enorme esforço para não chorar e, por fim, jogou o papel e a caneta para longe. Irrompeu pela porta da cozinha, em direção ao campo.
Após correr um pouco, encontrou um riacho, o qual ela sabia que levava a uma cachoeira. Resolveu nadar naquele riacho. Pôs os pés e viu que a água estava fria, mas não desconfortável para nadar. Então ela entrou no riacho e deitou-se, boiando na água e deixando a correnteza levá-la.
Ela olhava para o céu. As nuvens se moviam mais rápido do que antes. Seria porque ela estava também em movimento? Ou era ela que queria que as nuvens se movessem mais rapidamente?
O som da água em seus ouvidos era suave, e de certa forma, reconfortante.
Pássaros voavam com sua organização em "v" costumeira. Uma forte tristeza bateu em seu coração; ela fechou os olhos e deixou-se levar pela correnteza. Como sempre fiz, pensou, por fim.

Mariana Rodrigues Costa,
8 de julho de 2009,
Quarta-feira.


~*~
Música:
"Scarborough Fair" - Celtic Woman.

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