"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

sábado, 19 de janeiro de 2019

"I am almost me again, she's almost you..."

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"Eu tenho alguma cor de volta
Ela acha isso também
Eu rio como eu mesmo de novo
Ela ri como você.." - "Almost (Sweet Music)", Hozier
Havia acabado de chover, podia-se sentir as gotículas de água que se elevavam do chão, já indicando que o ciclo da água se repetiria novamente...
Ciclos... Era sobre isso especificamente que ela vinha pensando. Estava sentada no tronco que havia debaixo daquela árvore costumeira. Ela havia tomado aquela chuva. "Não há jeito melhor de mandar algo ruim embora que não lavando com água de mar, cachoeira ou chuva!", ela pensou.
Enquanto pensava, ela olhava o nascente. Os raios de sol que a animavam eram os mesmo raios de sol que a fazia seguir em frente. "Enfrente!", ela se lembrou de tudo pelo qual vinha lutando e tomou a oportunidade para lembrar a si mesma novamente disso.
Os sons acordavam junto dos raios de sol. Ela ouvia os pássaros, que muitas vezes ela mesma não escutara, mesmo tendo ido tantas vezes para lá. Era um lugar conhecido, porém havia algo de diferente. Os sentidos estavam mais afiados ou ela simplesmente se conectou mais com o cenário? Jamais saberia responder... 
Os pássaros, as borboletas voando... As formigas fazendo seu caminho diário e se comunicando na fila indiana que faziam. "Mas como se organizam, essa danadinhas! Uma verdadeira força silenciosa...", admirava.
Ouvia passos, estes bastante conhecidos por ela. Passadas longas e calmas, parecendo acalmar a terra conforme pisavam. O perfume de casa, também familiar, chegou-se ao nariz... A maciez das mãos nas costas, maciez de sabedoria e de conforto. E o sorriso largo e reconfortante, cujos olhos, que acompanhavam (por mais que digam que olhos não sorriem), profundos e intensos tanto quanto ela lembrava... Ele se sentou ao seu lado e pegou sua mão. A maciez do conforto e da paz, que sempre a invadiam quando ele chegava... 
- Ah, que bom me encontrar novamente contigo, meu Amado... - ela sorriu, numa mistura de alívio e alegria.
- De fato, há muito tempo não nos víamos... - ele sorriu olhando profundamente nos olhos dela, como alguém que olha um ser que é parte de si, tamanha intimidade - Parece que será sempre assim, não é mesmo, meu Amor? - e, com mais um sorriso, este enigmático, ele disse - Ah, os ciclos... 
Ela pensava justamente sobre isso e conversou um pouco com ele sobre isso. 
- Sabe, existe sempre uma música que me acompanha... E esta música, não ouvida por ninguém senão por mim, toca infinitamente... repetidas vezes... toca no escuro, de dentro de mim... E simplesmente ninguém poderia tocá-la, senti-la ou mesmo ouvi-la... Eu sou responsável pela minha própria música! Por muito tempo pensei que essa música deveria vir de outros... Mas não! Eu sou minha própria banda, minha guitarra e meu baixo... Entende?
Os olhos dela brilhavam muito ao explicar isso. Ele observava atentamente, era muito precioso para perder qualquer detalhe. Era uma estrela em ebulição, um vulcão acordando, um riacho bravio a correr livre.. 
- A música vem de cá de dentro... E ter descoberto isso me trouxe como que um clique, uma chave que abriu uma porta... A porta da minha música dentro de mim! Uma doce música tocando no escuro... E isso é uma escolha, tanto posso ver como solidão, como... um re-encontrar de mim mesma! - ela estava muito animada, via-se em seus corpos - Faz sentido pra você?
Ele observou tudo. Não conseguiu não rir. Ela ficou confusa, pediu explicações, até perguntou se ele tinha mudado de profissão e tinha se tornado um palhaço. Então ele decidiu explicar...
- Você vê o nascer do sol, meu Amor? - apontou à frente, e ela olhou - Pois bem... Ele muitas vezes é despercebido por todos nós, mas ele nasce todos os dias, majestoso. Nossos olhos às vezes o vêem como cinza, fraco, tímido... Porém ele sempre está ali, majestoso. O ruído da rotina deixa nossos ouvidos surdos à música que dele vem. Não o escutamos, não escutamos sua música silenciosa... Eu sempre soube que a música estava em você. Ela é parte de sua essência, e está tão profundamente em você, que você muitas vezes não a percebe... e por isso, quando percebeu, uma engrenagem se soltou, e o relógio passou a funcionar novamente... Seu coração pulsa com a vida, e pulsa com a música... que toca ao nascer e ao pôr do sol. - ele olhou profundamente nos olhos dela - Perceba que você é a própria vida em sua beleza e sua feiura, seus altos e baixos. Perceba, e não deixe isso ir.
Ela chorava de emoção e percebera. Os sons antes não notados. O nascer do sol. A chuva. Ela era a vida, era a morte. Era a música e o silêncio. 
Ela o abraçou e disse em seu ouvido que nunca a abandonasse, ao que ele sorriu profundamente e olhou feliz para ela, dizendo:
- Somos parte um do outro, meu Amor... Bem sabe! Não importa o tempo, nosso relógio nos encontrará para que estejamos no mesmo tempo em algum momento. Estou em você, e sou você, assim como você sou eu... Dance e cante a música de sua vida, sem deixar de viver as pausas e os silêncios... Pinte os lugares com suas cores, ajude a modular os sons ao seu redor... E quando quiser, aqui estarei.
E então ela sorriu, abraçou-o novamente e foi embora, rumo ao novo dia que nascia.
~*~ 
Música:
"Almost (Sweet Music)" - Hozier.
"Eu não saberia por onde começar
Doce música tocando no escuro
Seja firme, meu coração tolo,
Não estrague isso em mim
Eu não saberia por onde começar
Doce música tocando no escuro
Seja firme, meu coração tolo,
Não estrague isso em mim"

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