"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A rainha



Ela estava sentada, serena, em seu trono. Observava seu reino de modo a manter tudo em ordem e fazer com que seus súditos fossem servidos de forma justa e correta.
Ela reinava sozinha. Muitos perguntavam a ela porque ela decidira herdar o trono de seu pai sem que houvesse um rei, visto que este seria opcional após a sua posse.
- Não conheci até hoje ser humano que fosse digno deste posto tão nobre. Tendo em vista que ele teria de governar a vós e estar sempre em comum acordo comigo e com ele mesmo. Eu não iria deixar minha coroa de lado para ceder aos caprichos de qualquer que fosse o rei, ou rainha, ao meu lado.
- Mas, senhora, tu, em algum momento, teria de ceder em algum ponto! Nada nessa vida pode ser segundo somente um ser humano quer! - gritou um dos súditos, preocupado com a possível postura ditatorial da rainha.
Ela explicou que, até o momento, não havia visto nenhum ser humano capaz de, ao mesmo tempo, serenar seu coração e fazer as fibras de sua alma queimarem e vibrarem tanto ao ponto de querer dividir o governo do reino com ela.
Os súditos entenderam. Alguns ficaram contrariados e quiseram até dar diretrizes à rainha, ao que ela não quis, embora ouvisse com o coração.
O tempo passou, a rainha governava com amor o seu reino. Um dia, um estrangeiro chegou, sorrateiramente, a seu reino. Os súditos logo o encaminharam à rainha, já que nada acontecia ali sem que ela muito analisasse.
A rainha simpatizou muito com o tal estrangeiro que, faceiramente, apresentou-se a ela:
- Olá, vossa alteza! Gostaria muito de passar uma temporada convosco aqui, em teu reino. Posso fazer morada aqui?
A rainha analisou por um bom tempo, não parecia ser um grande problema... Ela, condescendente, disse que sim:
- Mas terás de conhecer bastante o reino e entender sua dinâmica. Nada aqui funciona bem sem que todas as partes estejam bem integradas. Entenda: muito dano já foi causado ao reino e diretamente a mim por conta de imprudências. Então, estrangeiro, tens permissão para ficar o quanto quiseres. Somente peço que tenhas paciência e determinação para que eu possa avaliar bem se podes ficar entre nós.
O estrangeiro concordou. O tempo se passou, nenhum dia sem que a rainha prestasse atenção aos cuidados do estrangeiro. Alguns dias, ela estava ocupada demais com alguns assuntos do reino, mas fato é que ela nunca deixou de perceber o cuidado que ele tinha com tudo e todos. Principalmente todos os assuntos que tinham a ver com ela.
Fato é que o estrangeiro começou a passar muito mais tempo com a rainha que com os súditos, ao ponto de, em alguns momentos, a rainha pedir conselhos ao estrangeiro, visto que ele apresentava muita sabedoria, segundo o que ela pensava.
Os súditos começaram a perceber essa aproximação e disseram à rainha que, talvez, ele fosse o rei que ela tanto esperava.
- Mas eu sempre disse a vós que nunca esperei, e nem espero, rei algum! Governo muito bem sozinha!
- Senhora... Estás já há meses pedindo conselhos do estrangeiro... Ele fascinou a senhora! Podemos sentir!
Ela recusava-se a entender tudo aquilo. Não conseguia.
Um dia, enquanto estava caminhando pelo jardim, o estrangeiro chegou-se perto da rainha para conversar. Ela expôs aquilo que os súditos estavam já, em coro, gritando a ela. O estrangeiro, então, disse que entendia, mas que não faria nada para ferir a rainha ou aos súditos, visto que ele preferia partir a ver qualquer pessoa sofrer. Foi aí, então, que a rainha entendeu...
- Estrangeiro, vieste sorrateiro. Primeiro, conquistastes meus súditos. Depois, conquistastes minha confiança. E, agora, posso admitir, sem medo, que conquistastes meu coração. - a rainha ficou rubra e um pouco sem jeito - Mas preciso perguntar-te... Tens a vontade de ser meu rei? De governar ao meu lado?
O estrangeiro foi tomado por uma felicidade muito grande, incontida ao ponto dele esboçar um larguíssimo sorriso. Ela recebeu isso como um sim, mas precisava ouvir dele.
- Sim, minha rainha. Já eras minha rainha antes mesmo de me instalar em teu reino. Hoje, que estou nele, consigo ver teu esplendor e quero compartilhar dele ao teu lado.
Eles deram-se as mãos e foram dizer aos súditos a notícia. Nenhum deles estava surpreso, visto que conheciam bem a rainha, mas rejubilaram-se.
- Hoje consigo dizer que existe, ao meu lado, alguém digno de vós, e de mim. Hoje, consigo distinguir quem poderia ser o nosso rei. E é ele, o estrangeiro. Aquele que veio sorrateiro, mas construiu casa em nossos corações e mentes de tal forma que nos enfeitiçou. Este, meus amados, é vosso rei. Contemplem-no e amem-no como eu o amo.
Ouvindo isso, todos os súditos aplaudiram de pé. Houve muita festa e gritaria quando ele foi coroado rei.
Não poderia ser diferente, existe realeza em tudo que ele tem, faz, e é.

~*~
Música:
"Enjoy the silence", Depeche Mode.

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