"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Luz e Sombra



Ela observava tudo aquilo que acontecia em seu reino com calma, paciência e ternura. Não havia outra forma de proceder que não fosse assim. Ah, e é claro, com pulso firme, porque senão sua irmã poderia tomar conta e, segundo o que todos os súditos sabiam, não havia sido um reinado calmo...
Sua irmã havia comandado um reino de solidão, frieza e de muita dificuldade no reino. Ela sabia que não podia deixar que a irmã tomasse conta novamente, embora não pudesse expulsar a irmã de lá.
- Se me odeias tanto assim, peço-te que me expulses, que me bana de tua vida, para que eu possa seguir em frente sem grandes problemas... Já que de nada meu reino serviu para estes que chamas de súditos amados, nenhuma lição foi aprendida, não consegui construir nada de bom para este povo ingrato que te serve... Se de nada sirvo, que faço aqui? - disse a irmã um dia, ao sentir-se incomodada com a situação toda.
A rainha compadeceu-se de sua irmã, mas ambas sabiam que ela não poderia comandar por muito tempo, em algum momento, elas teriam que comandar juntas, porém naquele instante sua irmã era muito maléfica ao reino simplesmente pela sua essência, que ambas conheciam e temiam.
- Minha amada irmã, não é por descuido nem por falta de amor que não te permito governar ao meu lado. Sabes bem o que causastes ao povo quando comandastes... Ambas sabemos... E eu não deixo nada daquilo acontecer porque os súditos precisam de meu zelo.
A irmã olhou com mirada fulminante a irmã, bem fundo em seus olhos e disse:
- Sabes que te sou necessária, sabes bem disso. Tu, sozinha, matas os teus súditos porque só és tão boa porque sabes bem como ser má... Aprendeste comigo, assim como eu posso ser boa, pois vejo em ti aquilo que falta em mim... Não me menosprezes!
- Não te menosprezo, irmã querida... - ela a abraçou - Não, de modo algum... Quero que fiques a meu lado, como minha companheira, minha gêmea... Mas sabes bem o estrago que causastes...
A irmã soltou-se dela com raiva e afastou-se.
- Só causei este estrago pois não estava comigo quando mais precisei. Não tinha teu amor como meu guia. Tu me negastes, e quando percebeu que teus súditos não estavam mais dando conta de teu amado reino, voltastes contra mim tua ira de boa moça e me suprimistes... Até o que sou agora, mas eu sei bem que eu retumbo dentro de ti, eu retumbo dentro de teu peito, eu pulso para estar ao teu lado dentro de teu coração... E bem lá dentro de ti, sabes que é verdade...
Ambas olharam-se longamente. Elas eram da mesma essência - eram irmãs, ora essa! -, e sabiam bem onde lhes doía, e onde lhes era fácil viver. Elas sabiam em que pontos poderiam dar as mãos, mas nunca caminharam juntas por orgulho puro... Por pensarem que conseguiriam reinar sozinhas algo enorme e vasto como o reino delas. Algo até, e principalmente, por elas desconhecido...
A rainha de então abraçou longamente a irmã e sem soltá-la um segundo sequer, disse:
- Minha irmã, minha mãe, minha amiga, minha amante... Preciso de ti assim como tu precisas de mim, agora posso ver... Vem e fica perto de mim, tão perto que sejamos uma só... E que caminhemos uma ao lado da outra, de mãos dadas, num romance que ninguém poderá dizer um ai sequer sobre... posto que o que nos une é muito maior do que nossas diferenças e semelhanças... Aprendestes a ser ótima comigo, pois eu sei ser muito má. E eu aprendi a ser boa porque fostes muito má comigo. É uma via de mão dupla, vês? E somos uma... E somos uma...
E, dizendo isso, as rainhas fundiram-se uma na outra, e os súditos viram uma explosão de luz e sombras tomar conta do reino todo... E, por fim, viram somente uma figura ajoelhada ao chão, resplandecente em sua coloração de luz e sombras que dizia:
- Somos uma... E nós somos uma para governarmos não uma e depois outra, mas sim uma com a outra. Que nosso reino seja pleno.
Luz. Sombra. Irmãs que caminham juntas e muito unidas. E que caminham juntas, pois que, paradas, uma das duas ou ambas, não caminham.

~*~

"E se não arriscarmos essa chance
Então acabará
Observando os outros garotos
Que nós não somos capazes de 

De ter tanta certeza
Dos nossos caminhos
De sermos tão perdidos
Em nossas trilhas

Porque eu estou bem
Sim, eu estou bem
E eu estou muito bem
Sim, eu estou bem"

Música:
"Invicto", Cambriana.

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