"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

"I burn a fire of love, over and over"


 - Queria ser daquelas pessoas que não se abalam por nada! Que nunca têm tempo ruim pra coisa alguma! Por certos períodos eu sou assim, mas por algum motivo eu sempre volto a ter alguma frustração... Por quê eu sou assim?
Ela contava as folhas da árvore embaixo da qual estava deitada, tentando colocar seus pensamentos em ordem, como sempre. As folhas se moviam vagarosamente, elegantemente, como se soubessem que foram feitas justamente para isso e fizessem seu trabalho de forma precisa e amorosa. "Queria eu ser assim! Quisera eu estar fazendo aquilo que fui feita para fazer!", ela pensava enquanto tentava acompanhar com as mãos os movimentos de uma folha em específico.
- Que estás reclamando, meu amor? Já perdeste o fogo que te consumia meses atrás, com vontade e fome de continuar os projetos iniciados? - Ele sentou-se a seu lado, e ficou olhando nos olhos dela, tentando decifrar o que havia ocorrido.
- Ah, meu amado... É tão difícil insistir em coisas que começamos sem que realmente quiséssemos aquilo... Você sabe mais do que eu como é difícil pra mim continuar coisas que não amo de toda a alma, com todo o coração... Sabe muito bem! - Ela foi mais enfática nesta parte, devido aos acontecimentos passados que confirmavam o que ela acabara de dizer.
Ele sabia muito bem que ela se perdia quando não fazia aquilo que amava, quando não fazia aquilo que acrescentasse à sua alma. Ela simplesmente fora feita para fazer outra coisa, não aquela que estava fazendo. E isso a frustrava demais. Desta vez, ele não sabia muito bem o que dizer a ela. Estava realmente inclinado a dizer que ela deveria parar tudo e enfrentar a jornada a qual ela fora feita para seguir, a jornada de sua alma.
Como tudo o que ela já passara, isso a afetava muito. Ela já havia observado que tudo aquilo que ela ama acaba encontrando um caminho para encontrá-la, ou então para que ela encontre essa tal coisa. E pensava realmente que era só uma questão de tempo até que aquilo que ela realmente gosta de fazer a encontrasse - ou ela mesma fizesse com que acontecesse.
- É um eterno retorno, entende? Todas as coisas que eu amo, voltam pra mim, de uma forma ou de outra. Ou então eu corro para elas, insistentemente e inacabavelmente. Eu digo isso, custo a acreditar que é verdade, mas é a verdade: eu sou feita para amar. Se eu não amar, não funciona, não segue rumo, não desenvolve. Mas tem que ser um amor incondicional. Se não for, não desenvolve, não segue o fluxo. Entende, meu amado? Eu simplesmente não consigo mais insistir! São 3 anos de insistência já!!! - Ela sentou-se rapidamente, com indignação. Os olhos saltados, grandes, tão enormes em urgências de vida e sentimento que ele mesmo se assustou.
Ele percebia que ela quase não precisava mais dele para entender a si mesma. Talvez estivesse chegando o tempo dele ir embora de vez de sua vida... Mas isso ele decidiria depois de mais algumas visitas. No momento ele estava tentando decidir aquilo que dizer a ela, sem que a deixasse mais perturbada e preocupada ainda.
- Sabes bem aquilo que teu coração necessita. Eu quase não sei o que te dizer... Sinceramente, meu amor, faça aquilo que teu coração te disser para fazer. Eu não sou o primeiro, e nem serei o último, a te dizer para seguir este músculo que lhe guia em tudo que tens de fazer. Pode ser que no passado não tenham lhe incentivado, mas sabes o que queres. E como te conheço bem, sei que irás atrás caso precises, e realizarás aquilo que tua alma necessita. - ele olhou ternamente para ela, com um amor transparente feito água de cachoeira - E eu te amo por isso. És tão forte e nem percebes... Queria que visses a si mesma com meus olhos, como havia te pedido, anos atrás...
Ele a abraçou tão forte e tão carinhosamente que ela sentiu-se dentro dele. Sentiu-se aconchegada como nunca antes, numa paz tão grande e gratificante que desabou-se a chorar. Feito uma criança que acaba de machucar os joelhos e logo em seguida a mãe lhe pega no colo para desafogar das lágrimas. Sentiu-se acolhida, enfim.
- Meu amado... Obrigada por existir em minha vida! - ela levantou-se - Agora eu que preciso ir. Preciso me recolher, juntar meus cacos e me refazer.
- É assim que se fala! - Ele sorriu para ela com ternura.
Assim que se despediram com os olhares, ele a viu ir embora, com o andar determinado, porém ainda um pouco triste. Ela parou perto da colina, para olhar para trás, pois sentia o olhar dele. Assim que virou-se, ele não estava mais lá. Via a árvore balançando suas folhas. Sabia que tinha que tornar-se como ela: firme, com raízes fortes, lembrando das mesmas e sabendo que elas têm de existir para que ela possa crescer e ter uma copa folheada como aquela, com folhas verdejantes e que se moviam elegantemente. Sabia que desenvolvendo suas raízes, ela poderia crescer em força, beleza e esplendor, e que para isso precisaria alimentar-se das fontes mais profundas da terra, de si mesma. Ela precisaria amar-se ainda mais. Ela precisaria conhecer-se ainda mais, saber de suas capacidades e expandir.
"É assim que se fala!", ela ouviu enquanto voltava a caminhar. Sorriu feito criança.

~*~

"Às vezes eu saio de cena silenciosamente
Lentamente eu me perco, repetidas vezes
Conforto-me na minha pele, continuamente
Renda-se à minha vontade, por toda a eternidade

Eu me dissolvo na confiança
Eu vou cantar com alegria
Eu vou acabar em poeira
Eu estou no céu

Fico sob os raios dourados, radiantemente
Queimo um fogo de amor, repetidas vezes
Refletindo uma luz infinita, incansavelmente
Eu abracei a chama, por toda a eternidade

Eu vou gritar uma palavra
Pularei no vazio
Eu vou guiar o mundo
Para o céu" - "Heaven", Depeche Mode


1 comentários:

Aime disse...

Algumas pessoas dizem que 'siga seu coração' é clichê demais, mas no fim das contas todos acabamos fazendo o que ele pede, pq afinal de contas, se não fizemos, não adianta fazer mais nada, vai sempre ter um vazio... um 'sei lá'...

sou dessas que larga tudo pra fazer o que ama... e tem dado certo...

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