"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." - Clarice Lispector.

sábado, 2 de abril de 2011

"Alguém com quem conversar"

- Eu quero ser constante! - disse ela, muito preocupada - Eu quero ser constante, e não esse emaranhado de sentimentos a todo momento! Às vezes eu nem sei se estou em mim mesma, ou se o que acho que sou eu é só o resultado de uma junção de ideias toscas e alheias à minha verdadeira personalidade. O que eu sou?!
- Você é uma menina em conflito consigo mesma porque, de repente, sua vida toda virou no sentido da mudança... - ele disse, calmamente, como quando dizemos algo a uma criança que acaba de se assustar com a própria sombra. - E você, no fundo, não está ainda preparada pra isso...
Ela deixou seu olhar indignado e preocupado de lado e olhou dentro de si mesma. Ele estava certo.
- Sempre quis mudar minha vida, mas eu meio que me perdi nesse novo mundo em que me encontro. Ao mesmo tempo que é bom finalmente cuidar da própria vida, é ruim porque todos esperam que você seja constante, madura, que tenha respostas rápidas a todas as perguntas... E eu não sou bem assim. Tenho um tempo interno muitas vezes diferente do das outras pessoas. O que eu faço?
- Não faça nada. - ele disse, cruzando os braços - Deixe que as coisas fluam naturalmente, você se encontrará nesse universo perdido em que está. Talvez leve tempo, mas o que é feito instantaneamente? Até o macarrão instantâneo leva três minutos para ficar pronto!
Esta última observação a fez rir como uma criança.
- Talvez me falte coragem. Aliás, sempre me falta coragem. Talvez por cômodo, não sei... Sempre vivi em meu mundo particular, nunca deixando outros partilharem dele... Sinto-me indefesa e acuada, como uma pessoa importante rodeada de papparazzi. E é terrível ter de me expor tanto, ter de me entregar de cabeça às relações humanas. Admita - sempre fui sem vida própria.
- Diria até uma verdadeira planta! - ele riu-se rapidamente - Mas há sempre a possibilidade de recomeçar, minha cara... Nada é tão terrível que não se possa consertar. Ninguém é tão isolado que não possa se socializar. E não será a falta de coragem que vai te acuar, mas sim o medo de se entregar. O medo que todos temos, implícita ou explicitamente. Quando se é um só é fácil conviver. Quando se é cem, é muito mais difícil. Mas você já sabe disso.
- Sim, eu sabia... Mas será que eu consigo? Posso não demonstrar, mas há um grande medo e um grande receio em mim. Posso confiar? Posso contar? Posso me entregar sem medo de traições e mentiras? Será que eu consigo ser constante? - ela perguntava a seu coração, e a ele, todas essas coisas.
Ele olhou profundamente para ela. Via como, aparentemente, tudo estava bem - ela estava calma, adaptada ao novo universo, feliz, confiante, independente -, e como, na verdade, ela estava perdida, irritada, infeliz, preocupada, deslocada e muito, muito solitária. E sentia a pior das solidões: aquela que se sente em meio à multidão.
Ele sabia que não seria fácil, mas ele teria de dizer a ela que tivesse calma, que com o tempo tudo se ajeitaria, que ela saberia ser feliz em meio a estranhos, em meio a novas experiências.
Ela tremia. Chorava. Não com lágrimas, mas com a sua alma. Realmente não sabia o que fazer.
Levantando o queixo dela com sua mão, ele olhou bem nos olhos em lágrimas que estavam à sua frente e disse, com o tom suave e calmo de sempre:
- Meu amor, o tempo responderá suas questões. Mas para isso, é preciso paciência, coragem e entrega. Ninguém disse que seria, nem que será, fácil. Mas o caminho é seu. Você julgará se deve ou não trilhá-lo de uma forma ou de outra. Sempre com muita paciência, coragem e entrega.
Ela sorriu e, assim fazendo, suas lágrimas rolaram. Abraçou-o com muita força, como sempre fazia, e nesse abraço sentiu-se segura e confiante.
- Não estarei sempre com você, mas estarei sempre em você. Enquanto seu coração bater.
Dizendo isso, ele deu um beijo na testa dela e foi embora, rumo ao sol que se punha.
Coragem. Entrega. Paciência.

Mariana Rodrigues Costa
20/03/2011
Domingo
19:00h.

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